sexta-feira, 27 de novembro de 2015

A ciência em Portugal no século XX

Com a devida vénia, republicamos aqui um texto de um dos bons cientistas portugueses deste século, o Prof. Miguel Mota, que continua a escrever diariamente com 93 anos:

Publicado  no "Linhas  de Elvas" de 26 de Novembro de 2015

Miguel Mota

O facto de se apresentar o que se fez em tempos recentes sobre a política científica, sugerindo que o que havia anteriormente seria quase nada, leva-me a escrever algo sobre a ciência em Portugal no século XX. Será certamente muito pouco – nem um artigo de jornal permite obra exaustiva – mas penso que pode mostrar que a situação –  que não era boa, como hoje ainda não é –  não era a nulidade que alguns pretendem insinuar.

Convém lembrar a investigação científica portuguesa que foi destruída nestes últimos quarenta anos, em obediência à lei – que parece que ninguém quer ver, mas é bastante evidente – que manda extinguir todas as instituições científicas públicas que não sejam das universidades. (A não ser quando é possível roubá-las para dar a uma universidade, como já sucedeu). Ao que agora se fez de bom, há que descontar o muito que se destruiu.

Na falta de uma Bibliografia Científica Portuguesa, tentarei listar alguns casos de que tive conhecimento, uma pequena amostra que, espero, seja suficiente para mostrar que, nos três primeiros quartéis do século XX, a ciência em Portugal, não era o deserto que se tenta fazer crer e tinha alguma repercussão no estrangeiro.

Na  investigação médica contavam-se alguns casos com repercussão no estrangeiro, principalmente em França, ao tempo um país de boa ciência. Lembro que o único Prémio Nobel da ciência que existe em Portugal é desse tempo.

  Em 1936, com o ministro da Agricultura Rafael Duque, deu-se um grande passo em frente para a ciência em Portugal. Pelo Decreto-lei nº 27.207  foi criada a Estação Agronómica Nacional, destruída nestes últimos trinta anos. Não se tratou de uma simples alteração do nome da antiga Estação Agrária Central de Lisboa, como erradamente está escrito em publicação recente, mas da fundação de um instituto de investigação, em tudo comparável aos seus congéneres estrangeiros.

No mesmo Decreto é criada a carreira de investigador científico, paralela à carreira do professorado universitário. Modelarmente delineada pelo Professor António Câmara, que deixou a sua cátedra no Instituto Superior de Agronomia para assumir a direção, em breve a Estação Agronómica dava ao país mais dinheiro do que o que nela foi investido. A solução do grave problema da maromba, uma doença das vinhas do Douro, é um bom exemplo. A prova da excelência do modelo criado é que ele foi adoptado por todos os institutos posteriormente fundados, o primeiro dos quais, dez anos depois, foi o Laboratório Nacional de Engenharia Civil.

 É natural que a produção de artigos científicos – hoje o principal factor de avaliação das universidades – não fosse tão abundante, até porque alguns desses trabalhos demoram anos. Muito está publicado em português. Mas a sua repercussão na economia foi muito grande. Portugal tem hoje muito menos dessa tão necessária investigação e a economia e as finanças estão como se sabe. Em 1973 o PIB crescia a 7%.

Em 1945, a Genética tinha quatro grupos activos, liderados por Abílio Fernandes e José Serra na Universidade de Coimbra, António Câmara, na Estação Agronómica Nacional, em Sacavém, mais tarde Oeiras, e Flávio Resende na Universidade de Lisboa. Esses grupos cresceram em número de investigadores e na década de 1950, pela sua produção científica, eram talvez o melhor da ciência portuguesa. Como exemplo, direi que em 1947, quando me encontrava no Departamento de Genética da Estação Agronómica, a elaborar a tese então necessária para se ser engenheiro agrónomo, dois cientistas desse Departamento publicaram na conceituada revista “Nature” um artigo que teve grande repercussão e originou mais investigação, principalmente na Suécia e nos Estados Unidos. A partir da década de 1950, a Estação de Melhoramento de Plantas, em Elvas, produzia regularmente novas  e mais produtivas variedades de cereais e forragens que deram à agricultura um valor muitas vezes superior ao que o estado nela investiu. E se esses organismos produziam ciência de directa aplicação é porque  também dispunham de laboratórios de genética, fitopatologia, química, estatística, microscopia electrónica e outros. De tudo isto, após a destruição, restam migalhas, num organismo designado INIAV. Basta ver os nomes dos seus componentes, antigas estações e departamentos, para se perceber que quem o delineou não tinha a mínima noção do que é a investigação agronómica.

Miguel Mota
 

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