segunda-feira, 24 de fevereiro de 2014

RUI REIS SOBRE A CIÊNCIA EM PORTUGAL

Em entrevista a Virgílio de Azevedo do Expresso, Rui Reis, o cientista português com mais publicações (+ de 700) diz desassombradamente o que pensa sobre a política de ciência em Portugal (ou a falta dela):

"P. Gere projectos no valor de 35 milhões de euros. É muito a nível nacional?

R. Em termos individuais, devo ser o investigador português mais competitivo a conseguir captar fundos internacionais. A nível nacional na Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT), tenho grande taxa de insucesso, e sempre tive. Neste momento, tenho zero projectos na FCT.

P. Porquê?

R. Não consigo entender. Há um discurso oficial de excelência, mas é muito estranho que uma pessoas seja excelente em todo o lado, reconhecida por toda a gente, e chegue a Portugal e deixe de o ser.
(...)

P. Como vê as polémicas sobre a nova política científica do governo?

R. Acho que não há grande política, mas uma tentativa de defender um conjunto de decisões que não terão sido muito pensadas.

P. Mas há um novo modelo para a ciência?

R. Bom, pode haver algumas ideias de um conjunto de pessoas, curiosamente ligadas a um conjunto de laboratórios, curiosamente localizados numa cidade, que estão todas ligadas à Secretaria de Estado da Ciência e à presidência da FCT. Mas não pode haver só dois ou três responsáveis que têm razão nestas polémicas e não ouvem ninguém. O que o Conselho dos Reitores diz não serve para nada, o que o Conselho dos Laboratórios Associados diz não serve para nada. A primeira palavra-chave do Governo é transparência, mas nunca houve tanta trapalhada na história da ciência em Portugal, com toda a gente a queixar-se dos cortes nas bolsas de investigação, dos painéis de avaliação, de irregularidades. A outra palavra-chave é excelência, mas se fosse verdade não acontecia o que se passou nos concursos da FCT para linhas de excelência em 2013, destinadas aos projectos de 500 mil euros. Os meus colegas mais excelentes na Universidade do Minho, que publicam artigos com Prémios Nobel, não foram financiados e depois aparecem pessoas incríveis a conseguir apoios para esses projectos. Se quem vai buscar dinheiro lá fora como nós não é excelente cá dentro, há qualquer coisa que não funciona."

3 comentários:

António M. A. Gonçalves disse...

Precisamos de um "Geek Manifesto" (livro de Mark Henderson) e de um movimento em defesa do uma política da ciência, para a ciência e baseada em princípios mais próximos do método científico. Acho que deveríamos estar todos já um pouco mais do que enfadados com políticas erráticas e erradas. Já ouvi vozes de revolta. Falta o levantamento.

Vendo o lixo à noitinha disse...

"Não consigo entender. Há um discurso oficial de excelência, mas é muito estranho que uma pessoas seja excelente em todo o lado, reconhecida por toda a gente, e chegue a Portugal e deixe de o ser."

Eu consigo... Vivo no Portugal católico há já alguns anos (hoje sei que tive esse azar) e confesso que, se acreditasse em Deus, facilmente mudaria de ideias dada a pequenez da envolvência e dos atos mesquinhos, insultuosos e invasivos de todos os dias (no mistério do Senhor, Klaro).

Pedro disse...

Apenas uma coisinha. Não conheço o Doutor Rui Reis, mas 700 artigos a dividir por 45 anos dá qualquer coisa como 15 artigos/ano, mais de um artigo por mês...desde de que nasceu. É fácil verificar que a coisa não convence. Seja qual for a área, simplesmente ninguém é verdadeiramente autor de um artigo por mês.O que sucede é que ele aparece como autor, juntamente com outros fulanos, em artigos que, aposto, nem sequer terá lido. Por outro lado, ter dado 1500 conferências em 45 anos significa qualquer coisa como cerca de três conferências/mês...algumas ainda antes de falar...Estes CV artificialmente inflacionados - que cada vez há mais por aí - são verdadeiramente um problema para a credibilidade da ciência, pois só se atingem estes números por repetição, republicação e utilização dos artigos colectivos (há casos de publicações com mais de 500 autores, não vamos fingir que não sabemos) e, como tal, não traduzem avanços a sério no conhecimento. Assim, não me parece estranho de membros de júris - que no caso dos projectos FCT não são portugueses - não achem excelência alguma.

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