sábado, 31 de agosto de 2013

Ranking e carteiras de investimentos

O post do Armando sobre o ranking dos centros de investigação e o do David sobre a comunicação em ciência, fez-me retornar a este tema que tinha tocado de leve há uns tempos.

Gerir uma carteira de investimentos não é particularmente complicado, por muito que o pessoal das finanças vos queira vender o contrário. Só existe uma maneira de cobrir o risco associado a um investimento e essa maneira é a diversificação. O problema é "o que é diversificação?". Podemos encarar diversificação como sendo muitos investimentos, mas a crise do imobiliário veio de muitos investimentos. O que acontecia com esses investimentos é que estavam correlacionados, no caso pelo mercado da habitação. E na verdade, todos os investimentos estão correlacionados e, em casos extremos, essa correlação pode ser de 1. Para quem quiser aprofundar o tema, há recursos muito bons na net, procurem pelo teorema de Markowitz e respectivas criticas.

O que nos traz ao ranking dos centros de investigação (*) e à minha sugestão. O dinheiro da FCT é dinheiro que o colectivo destina a melhorar  vida do colectivo. Concorre, portanto, com despesas sociais, como condições de vida nos orfanatos, comparticipações de medicamentos, acompanhamento de crianças hospitalizadas e conseguia ainda encontrar 100 melhores justificações de gastar dinheiro que em centros de investigação.

Quem me está a ler que não viva de dinheiros da FCT já está a encontrar uma dessas formas para as quais não há mesmo dinheiro. Isto para dizer que não se compensa uma criança sozinha num hospital com papers e citações, não se diz ao idoso que paga mais pelo medicamento porque o Sr. Dr. Silva publicou mais um estudo de calcetaria marítima aplicada. Papers e citações não são forma de avaliar um investimento, tragam-me valor económico que me permita dizer que se o medicamento é mais caro hoje é para que seja muito mais barato para os meus filhos. Quanto vale a carteira de investimentos da FCT, em Euros? Quanto vale a carteira de projectos de cada um destes centros, em Euros? Não é quantos euros recebeu, é quanto vale hoje e quanto vale hoje é quantos euros vai dar a receber ao colectivo que investiu nele.

Ao ver os números avançados pelo Armando e se fizer um mapeamento directo entre papers/citações e euros consumidos, a reação de qualquer pessoa seria "mas o que é que estes gajos andam lá a fazer?" Curiosamente, admitindo que a comunidade científica portuguesa é uma fábrica de papers, é um investimento terrível. O custo de cada paper é, em média, tão alto que é melhor fechar já tudo, isto para não falar do custo da citação. Mas o estudo do Armando (que sei ser muito mais que isto) está errado?

Bem, se olharmos para aquilo que os cientistas acham que o trabalho deles é, não. Mais, se avaliar por alguns comentários que foram feitos a posts meus, é exactamente isto. A minha visão "economicista" da investigação científica é muito mais favorável à continuação deste investimento que a visão protocolar do cientista profissional. Se nos cingirmos a esta, temos que admitir que é um sector a abandonar como seria o cultivo de mangas no Alentejo.

Mas se fugirmos o critério usual e passarmos para o valor económico, teremos resultados diferentes? Não tenho a menor dúvida. Como o medir? Pois, lembram-se do post David e da importância da comunicação? É para isto que ela serve antes de tudo o resto. Levar os resultados de um paper de matéria condensada a ter valor económico passa, em primeira mão, pela possibilidade daquele ser consumido. Se estamos à espera que alguém que passa o seu dia de volta dos seus problemas vá olhar para os (pelos vistos poucos) paper e traduzir aquela metalinguagem que serve mais para separar méritos que para divulgar, o melhor é esquecer. Aliás, arrisco-me a dizer que um paper de matéria condensada não vale uma única impressão por si só.

A alternativa é ter pessoas de formação científica na rua, a entregar o valor económico do paper à sociedade que o pagou que se atinge fechando esses centros e obrigando as pessoas a procurar emprego em actividades economicamente válidas. De que forma for, esse dinheiro gasto em investigação tem que ser devolvido com proveitos.

Mas mesmo que o valor do paper fosse alto, o valor da carteira era alto? Não, não era. Fosse o que fosse que fizesse o valor do paper alto, isto significa uma enorme correlação entre os retornos dos vários projectos de investigação. O resultados da carteira têm que ser diversificados. Têm que produzir pessoas qualificadas, tratamentos, processos, aquilo que for possível de colocar de formas diferentes na economia, em todos os sectores, em todas as actividades. E, mais uma vez, vamos dar à comunicação e como obtemos o retorno do investimento que fazemos.

Concluindo, se olharmos para a investigação como uma carteira de investimentos que consome euros e produz papers, é fechar. Até poderíamos fazer o mapeamento directo entre papers e euros, que o resultado é o mesmo.  Temos que encarar como uma carteira que consome euros e produz euros. E produz euros com riscos reduzidos. Daí a importância deste trabalho do Armando (que tenho vindo a acompanhar com interesse e porque ele me tem dado a honra de partilhar algumas coisas comigo como fez hoje com vocês) e da comunicação em ciência que o Carlos e o David têm insistido. Porque, papers, meus caros, isso é para estudantes e vocês já são "crescidinhos". A não ser que a sociedade vos possa pagar o salário em citações, claro...

(*) O Centro a que estou ligado até está muito bem colocado...  

7 comentários:

Nuno Barradas disse...

se fosse assim, não haveria ciência. A ciência directamente aplicada é a única que dá euros directamente, e é quse toda feita em centros de investigação privados. O que acontece é que a ciência é cara demais para os privados diversificarem e investirem em tudo - e nunca se sabe de onde vem o próximo material útil. Eu lembro-me, no início dos anos 90, de andar a estudar um material (Co/Re) para ver o seu efeito GMR (magnetoressitência gigante). Pois deu 0.7%. O meu colega do lado estudou um material muito semelhante (Co/Cu) que dava 40%. Adivinhem qual dos dois, passados poucos anos, esta a ser usado pela IBM para produzir cabeças de leitura em computadores? E como é que a IBM decidiu apostar num deles? Porque havia centenas de pessoas no mundo a estudar dezenas de materiais. A IBM pegou nos melhores e só estudou esses.
Sem esse trabalho de investigação básica, não há investigação aplicada, nem inovação tecnológica. Exigir que todos os trabalho dêm euros é dizer que não se pode investigar o Co/Re, só o Co/Cu. Mas, antes de investigar, como é que se sabe qual vai funcionar? Com uma bola de cristal?
O argumento do JPC é tolo. Não se pode exigir euros da investigação, de cada investigação. Pode-se é exigir que a investigação feita é de alto nível e integrada no mundo - porque não há ciência portuguesa ou americana, há apenas ciência.
O argumento economicista deixa de ser tolo quando pergunta: o que interessa ter-se feito em Portugal protótipos de cabeças de leitura magnéticas melhores que as da IBM, que veio depois a IBM cá comprar (por acaso não foi a IBM, foi outra mas não vou aqui dizer qual), para os americanos (ou outro país) desenvovlerem, produzirem, meterem nos PCs todos do mundo todo, e ganharem eles uma pipa de massa? Que ganhou Portugal com isso?
Uma resposta é que Portugal ganhou pouco porque se os nossos cientistas são (alguns) excelentes, os nossos empresários são feios, porcos, e maus, e não têm capacidade de explorar a inovação tecnológica feita em Portugal. Onde está a IBM portuguesa?! O nosso empresário quer apenas, e sabe apenas, fazer prédios com pouco cimento e muita areia, e isso de inovação não é com ele.
Vendo as coisas por desse ponto de vista, mais vale, realmente, fechar a loja, e deixar isso da ciência para quem tem empresários que a querem (e sabem) utilizar.

João Pires da Cruz disse...

Os teus argumentos são uma confusão de contradição e quero sublinhar que, do ponto onde observo, o argumento económico é o ÚNICO que justifica o que quer que seja que consuma euros.
Primeiro, se a ciência não é portuguesa e se vale a pena investir, então vamos investir em americanos. Tens um outro argumento que justifique dar-te dinheiro a ti quando não há vantagem económica de te dar a ti ou a um americano?
Segundo, nunca falei em investigação aplicada ou fundamental. Nunca falei em 'dar euros directamente' porque é estúpido. Só porque não sabes o que significa investir é que podes pensar em 'dar euros directamente'. Quantos euros dá directamente a educação dos teus filhos?
Finalmente, este teu comentário é a prova provada da necessidade da comunicação. Um dos exemplos acabados de sucesso científico como és parece ser incapaz de perceber o fim último pelo qual recebe dinheiro e o argumento que usa faz-me levar a escolher outro sítio para meter dinheiro:)

Paulo Magalhães disse...

Tipos que são incapazes de produzir ciência a falar sobre ciência normalmente dá nisto (sim, os seus parcos paper não acrescentam nada para o conhecimento. Isso de aplicar modelos da física à economia é apenas para impostores, mas não para fazedores de ciência). Em primeiro lugar, o propósito da ciência não é produzir papers.
Em segundo lugar, um paper já é produção de divulgação científica. Até por isso mesmo é citado. A não ser que por divulgação científica o empresário..perdão..o empreendedor da Cruz entenda apenas obras para crianças. Coisas para empreendedores compreenderem para onde foi o dinheiro...que, curiosamente, nem é deles.
Em terceiro lugar, todos centros de investigação têm imensas actividades de divulgação, tanto para pares, como para o público em geral. O que os centros não precisam é de ter doutorados em comunicação da ciência" (?) em detrimento de fazedores de ciência e é isso que está aqui em questão: para onde vai o dinheiro da FCT e não para onde vai o dinheiro público em geral que é o argumento falacioso que é apresentado.

Se quiserem ser econobtusos então fechem teatros; fechem museus; fechem centros de investigação; fechem centro desportivos; fechem jardins zoológicos e zonas protegidas; fechem as cinematecas e as bibliotecas públicas; fechem universidades públicas; fechem serviços médicos de urgência (um morto=pensão a menos ou menos um desempregado); fechem até os cemitérios; fechem as juntas de freguesia; fechem os correios no interior; fechem as escolas do interior; fechem todos os serviços no interior, ou fechem mesmo o próprio interior; fechem estações de comboios; fechem juntas de freguesia; fechem câmaras municipais; fechem o parlamento, belém e são bento, que sempre temos o são joão; fechem as forças armadas; fechem todos os subsídios sociais; fechem todas as coisas, fechem as coisas todas, cujos os rácios €entrados/€saídos não sejam maiores de um e, já agora, fechem as pernas das mães destes filhos.

João Pires da Cruz disse...

A sério? A mim pagam-mos, por isso alguém deve ver valor nisso. Alguém paga os seus, que devem ser imensos? Mas claro, sonho um dia deixar de ser impostor e ser um grande Paulo Magalhães ou outra beleza de hortaliça do mesmo tipo. Muito boa a sua argumentação, fico completamente estarrecido com o nível intelectual dos investigadores profissionais. Realmente, se são todos assim, nem percebo onde o Armando foi buscar aqueles números...

Paulo Magalhães disse...

A si pagam-lhe? Afinal, sempre é verdade que alguém pode ser pago pelos papers e citações. Mas eu que pensava que o da Cruz não queria nada com os dinheiros públicos e era um empreendedor. E por que lhe pagam então isso significa que alguém vê valor nos seus modelos e previsões? Curioso, o mesmo pode ser dito para os astrólogos e charlatães. Até são os mais bem pagos e mais preocupados com a "comunicação" dos seus produtos. Isto há coincidências. E pagam-lhe ao quilo e por isso está tão preocupado em comparar números? Pois, agora já quase não interessa a qualidade. Mas não se preocupe, meu rapaz, que no campo até é fácil fazer artigos em quantidade. Isso explica, em parte, os números do Armando, mas creio que não o compreenda.

João Pires da Cruz disse...

Por alguma razão que não consigo apanhar você acha que estes comentários que produz favorecem de alguma forma a imagem de um investigador. A sua argumentação baseia-se em atacar a minha pessoa, seguida do minha produção cientifica e depois da minha vida profissional. Do divertido que isso possa ser para mim, porque gente assim só intersecta a minha vida nestes pequenos momentos, devia pelo menos garantir um pequeno disclaimer para que quem o está a ler não pense que o seu caso é um caso vulgar. Por isso vou faze-lo por si: a esmagadora maioria das pessoas que se dedica a ciência são pessoas com dois dedos de testa que sabem discutir ideias e conseguem entender conceitos básicos como civilidade e boa educação.

Paulo Magalhães disse...

Eu vou ajudá-lo com isso dos dedos.

Argumentos apresentados e que nem em esboço foram discutidos:

Em primeiro lugar, o propósito da ciência não é produzir papers.

Em segundo lugar, um paper já é produção de divulgação científica.

Em terceiro lugar, todos centros de investigação têm imensas actividades de divulgação, tanto para pares, como para o público em geral. O que os centros não precisam é de ter doutorados em comunicação da ciência (?) em detrimento de fazedores de ciência e é isso que está aqui em questão: para onde vai o dinheiro da FCT e não para onde vai o dinheiro público em geral que é o argumento falacioso que é apresentado.



Exemplo de civilidade, boa educação e capacidade de contra-argumentar:

"Muito boa a sua argumentação, fico completamente estarrecido com o nível intelectual dos investigadores profissionais. Realmente, se são todos assim, nem percebo onde o Armando foi buscar aqueles números..."

Quanto à imagem; eu não me movo por esse tipo de preocupações. Ficam consigo.Opções.

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